Sindicato da Construção, Geração, Transmissão e Distribuição
de Energia Elétrica e Gás no Estado de Mato Grosso
O setor elétrico brasileiro inspira cuidados. Não é novidade que o Brasil vem convivendo com uma das mais graves crises hídricas de sua história. O que ainda não temos plena dimensão é a extensão dessa crise, uma vez ser impossível prever, com grande antecedência, como será o comportamento do período úmido nos próximos anos. Além das elogiáveis medidas emergenciais já adotadas, o cenário exige ações que mirem no longo prazo.
Antes de tudo, vale destacar a gravidade do momento. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) os reservatórios das hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste (SE/CO) registraram em outubro o mais baixo armazenamento médio de água para esta época desde 2000. A bacia do Paranaíba, que corresponde a 38,42% do subsistema, por exemplo, tem usinas com menos de 10% do volume útil. É o caso de Emborcação (9,94% do total do reservatório em 15 de outubro) — a usina corresponde a 10,72% do subsistema como um todo. Na mesma data, a usina de Marimbondo, na bacia do Rio Grande, opera com apenas 10,90% de capacidade. Já a usina de Furnas, que responde por 17,21% da capacidade do subsistema, chegou a apenas 15,11% de seu volume útil em 15 de outubro. O mais impressionante é o caso de Ilha Solteira, com volume útil zerado na mesma data.
É verdade que a situação teve sinais de melhora na segunda semana de outubro, confirmando as previsões de melhora na Energia Natural Afluente (ENA) anunciadas pelo próprio ONS.
De todo modo, a situação é preocupante. Ainda que o Brasil tenha testemunhado avanços expressivos na instalação de fontes não dependentes dos regimes de chuvas, especialmente dos parques eólicos e solares, estas fontes intermitentes ainda demandam geração complementar.
E uma parte significativa dessa solução pode ser encontrada justamente na geração movida a biomassas — cana-de-açúcar, madeira e licor negro, entre outros materiais.
Além de ser uma fonte de energia renovável e com menor impacto ambiental, a biomassa tem outros atributos: é competitiva, proporciona uma energia de qualidade, gerada perto dos consumidores, dispensando a necessidade de investimentos em longas linhas de transmissão.
Outro ponto a favor é a simultaneidade. A cana-de-açúcar, por exemplo, tem sua safra no período seco, em que as hidrelétricas recebem menos água, justamente quando mais precisam poupar esse recurso. Hoje, a potência instalada das biomassas representa 15,6 GW, dos quais 11,9 GW são provenientes do bagaço de cana-de-açúcar. No conjunto, elas ajudam a poupar, a cada ano, cerca de 15 pontos percentuais do nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas do subsistema SE/CO.
Considerando os atuais efeitos do La Niña, parece temerário confiar nas perspectivas de chuvas muito acima da média no próximo ano e anos vindouros, na eventualidade da permanência deste efeito. Por isso, é preciso focar em alternativas que garantam a segurança energética futura, sem que fiquemos submissos aos humores do clima.
Nossa proposta é simples: a criação de leilões voltados para o “enchimento de reservatórios” com o uso de biomassas.
A ideia é que os certames sejam realizados a partir de 2022, com contratos de aproximadamente cinco anos, no modelo A-3, ou seja, com o fornecimento iniciado em três anos — tempo suficiente para que as usinas consigam se preparar e se estruturar junto aos fornecedores para aumentar a compra de matéria-prima e adaptar seus processos operacionais e de armazenamento. Ou seja, já em 2025 o País poderia se beneficiar dessa iniciativa.
Em uma estimativa conservadora, é possível calcular que as usinas que venham a participar do leilão possam gerar ao sistema algo em torno de 1,2 GW a 1,5 GW — tomando como base o volume de projetos cadastrados no último leilão A-5. Não se trataria, vale a ressalva, de um leilão de energia de reserva.
Acreditamos que essa questão poderia ser encaminhada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no primeiro semestre do ano que vem. A Cogen, desde já, está à disposição para contribuir com sugestões para a melhor modelagem do certame.
Entendemos que a inserção da cogeração no planejamento energético represente uma medida absolutamente necessária para aproveitar o potencial das biomassas, garantindo um sistema elétrico mais equilibrado, resiliente e distribuído.
Planejar a recuperação dos reservatórios das hidrelétricas é uma missão inadiável.
Newton Duarte é presidente executivo da Cogen (Associação da Indústria da Cogeração de Energia)
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