Sindicato da Construção, Geração, Transmissão e Distribuição

de Energia Elétrica e Gás no Estado de Mato Grosso

Notícias

Pedro Alves Melo, engenheiro: O Setor Elétrico Brasileiro – O mundo real e o mundo virtual

Pedro Alves Melo, engenheiro: O Setor Elétrico Brasileiro – O mundo re

Em: 19/07/2016 às 14:15h por

Um dos fatores físicos que merece especial atenção é vazão que retorna dos perímetros irrigados para a calha principal do rio, onde estão localizadas as usinas hidrelétricas

Em artigo publicado pelo Portal CanalEnergia em 07/07/2016, “Transparência faz diferença”, de autoria de Reginaldo Medeiros, da Abraceel, é apresentada a seguinte declaração do Secretário Executivo do MME – Paulo Pedrosa – “o restabelecimento dos sinais econômicos e da transparência, e da valorização do mercado e dos contratos” são pontos essenciais para permitir a validação do processo de mudança do setor, aproximando sempre a realidade física dos dados teóricos e das análises computacionais, e a definição de procedimento de governança para implementação de revisões periódicas desses dados”.

Essa declaração é um sinal promissor da disposição do MME de iniciar um processo de redução da altura da muralha que separa o setor elétrico do restante da sociedade brasileira. Ressalta-se a ênfase dada a importância da aproximação dos dados teóricos e das análises computacionais à realidade física do sistema eletroenergético.

Dentre esses dados e análises cabe destaque para os desvios de água para irrigação, que representam um uso consuntivo de recursos hídricos com influência bastante expressiva sobre os resultados dos estudos do planejamento e da operação do Sistema Interligado nacional – SIN.

A água necessária para irrigação depende, evidentemente, da área irrigada na bacia hidrográfica, que por sua vez varia em função de outros fatores tais como: aptidão do solo para irrigação, práticas agrícolas da região, incentivos e subsídios, mercado de produção de alimentos, dentre outros. Assim, a precisão de sua estimativa depende de ações concretas como monitoramento das outorgas, pesquisas censitárias e sensoriamento remoto.

Um dos fatores físicos que merece especial atenção é vazão que retorna dos perímetros irrigados para a calha principal do rio, onde estão localizadas as usinas hidrelétricas. A estimativa desse parâmetro, pela sua natureza, é uma das que apresentam maiores dificuldades técnicas, não existindo na literatura internacional nenhum procedimento consolidado para sua avaliação, mesmo em países líderes no uso da agricultura irrigada.       

Imagine-se, portanto, o grau de imprecisão que está associado a cenários de desvios de água para irrigação em uma bacia hidrográfica com a extensão da bacia do rio São Francisco. Esta tem, cerca de 640.000 Km2 dos quais, aproximadamente, 85,0% afetam diretamente a vazão afluente às usinas hidrelétricas localizadas no trecho entre Sobradinho e Xingó.

Estudos de sensibilidade, realizados à época da renovação das concessões das usinas hidrelétricas do rio São Francisco, indicaram que os cenários de desvio de água para irrigação, então considerados pelo Setor Elétrico, poderiam reduzir a garantia física dessas usinas em até 453 MW médios/ano. Para o caso em que se considera todas as usinas do SIN essa redução seria da ordem de 2.500 MW médios/ano. Essa ordem de grandeza parece justificar maiores cuidados por parte do MME diante de eventual revisão das garantias físicas de um conjunto importante de usinas, conforme decisão tomada no final de 2015. Essa decisão   mantém as garantias físicas atuais até o final de 2016, com aplicação de novos valores a partir de 2017. Deve ser observada a conjuntura atual do mercado, especialmente, a sobrecontratação por parte das distribuidoras, além dos impactos no GSF e outros indicadores.

Uma possibilidade que deveria ser avaliada seria a possibilidade de se desconsiderar este parâmetro, desvio de água para irrigação, no cálculo das garantias físicas, tendo em vista natureza estrutural destas. No entanto, sendo uma realidade física, não poderia ser desconsiderado pelo planejamento e programação da operação, podendo ser visto como um componente do risco hidrológico do dia a dia da operação. Para isto, deveria ser priorizada a implementação de um sistema de gerenciamento que possibilitasse o conhecimento, a avaliação e a atualização periódica e sistemática desses dados.

Pedro Alves Melo é engenheiro aposentado da Chesf

Fonte: Canal Energia